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quinta-feira, 1 de abril de 2010

EDUCAÇÃO PARA O TRÂNSITO NA ESCOLA: CAMINHOS POSSÍVEIS

Responda rápido: ao ouvir a palavra trânsito o que vem a sua cabeça? Que imagens, personagens, elementos surgem em sua mente? Diante de tais questionamentos, a maioria de nós tende a associar o termo trânsito à imagem do automóvel. Ou ainda, associá-lo às placas de sinalização, aos agentes de fiscalização, enfim, aos aspectos mais técnicos/legais e menos humanos. Acontece, também, de pensarmos nas tragédias, nas perdas resultantes do trânsito, diariamente noticiadas pelos veículos de comunicação. É comum, por exemplo, abrirmos o jornal e nos depararmos com o relato de acidentes, muitas vezes envolvendo vítimas fatais. Tais episódios podem não fazer parte de nossas vidas, mas geralmente nos remetem a uma sensação de medo e impotência, fazendo com que não sejam mais uma possibilidade tão distante quanto pensávamos. Há ainda, outras associações possíveis, que advém da forte cultura automobilística na qual estamos inseridos, as quais remetem à
velocidade, à competitividade e à agressividade.
Exaltação do automóvel, preocupação com a sinalização/fiscalização, medo da violência, de condutas e valores negativos, eis os elementos que desde muito cedo “inflacionam” nosso imaginário ao pensarmos no tema proposto, limitando o espaço para novos e importantes aspectos. Neste cenário saturado, resta ao ser humano uma restrita área de aparência, já que ao indivíduo é atribuído o papel de coadjuvante no trânsito.
Devido à dinâmica das relações pré-estabelecidas entre os participantes do trânsito em seus
diferentes papéis, fica evidente que quem possui um veículo, ou está dentro de um, acha-se em maior vantagem, direito e poder. Reserva-se ao pedestre o espaço que sobrar, cabendo a ele, geralmente, submeter-se a isso por ser o partícipe mais frágil nesta esfera.
A redução do indivíduo frente ao grande destaque dado ao veículo pode causar conflitos. Contudo, este não é o único fator capaz de produzir embates. As pessoas são diferentes, têm personalidades únicas e necessidades individuais, e as relações no espaço coletivo são reflexo desta diversidade. Se, o que sobressai neste ambiente são as relações de poder (fortes-fracos, vulneráveis-não vulneráveis, ricos-pobres), o exercício de respeito ao outro fica prejudicado pois, na prática, o individual toma o lugar do coletivo.
Estas são questões emergentes e urgentes em nossa sociedade. É preciso rever as abordagens reducionistas que relacionam a temática trânsito ao binômio veículo-condutor, tratando apenas de conteúdos técnicos, e buscar estabelecer uma interface com aspectos psicossociais e pedagógicos, ampliando este espectro. As iniciativas na área de educação para o trânsito ainda são limitadas, pontuais. As campanhas vinculadas à área, são veiculadas timidamente, com pouco impacto, atingindo uma pequena parcela da população.
Na realidade, estamos carecendo de programas sistemáticos, continuados e de políticas públicas eficazes (e menos eleitoreiras). Tal movimento, vai ao encontro da tão sonhada mudança da cultura de violência e desrespeito no trânsito, necessidade esta de abrangência nacional. Desta forma, encarando o tema exposto como necessidade de toda uma sociedade, por que não reservar espaço em nossas escolas para tratar de um assunto que nos mobiliza tanto?
Compete à escola, organizar propostas pedagógicas voltadas a um pensar mais comprometido com as problemáticas vivenciadas/experimentadas em nosso cotidiano, estendendo-se para além da educação básica tradicional. Além de ajudar o aluno a construir o caminho da reflexão crítica, um dos principais papéis da escola é auxiliar o estudante a expressar este modo de refletir, compartilhando idéias e debatendo opiniões. Esse exercício possibilita um “pensar sobre o próprio pensar”, contribuindo para escolhas responsáveis e conscientes, favorecendo a participação social e a compreensão da realidade, buscando mudanças de atitudes e comportamentos como forma de melhorar a qualidade de vida.
A partir deste momento, a escola pode realizar um trabalho contínuo e sistemático na área da educação para o trânsito – que até o momento vem sendo tratado como assunto secundário –, colocando em foco as relações entre as pessoas, resgatando a prática de valores positivos e o efetivo exercício da cidadania, ressignificando diretos e deveres, transformando hábitos, vícios e atitudes.
Um eixo possível para tratar deste tema tão complexo, seria o trabalho a partir do que a mídia produz e apresenta, (o que ela cria e de que forma nos oferece tal produto) buscando relacioná-lo com a realidade cotidiana (o que isto tem a ver comigo/conosco?). A mídia, através de suas produções, diz muito a respeito de nós, do nosso tempo. As produções publicitárias, em forma de campanhas, muitas vezes entram em choque com as regras básicas da segurança e da cidadania no trânsito. Por isso a importância de trabalharmos com estes produtos, desconstruí-los, analisá-los. Como nosso transitar é apresentado pelos artefatos midiáticos? Que imagens, figuras, narrativas estão presentes? Como o automóvel aparece? E nós, de que forma estamos inseridos neste cenário? Eis uma possibilidade de refletirmos sobre a forte cultura automobilística1 na qual estamos inseridos, e que destaca o automóvel como bem indispensável, não apenas para satisfazer muitas de nossas necessidades e inseguranças, mas também para identificar os bem-sucedidos, e todos aqueles que buscam sê-lo.
A escola pode, ainda, aproveitar seu próprio espaço para analisar o transitar na própria comunidade escolar. Como se dá o comportamento de cada um? Como nossas ações refletem na vida do outro?

1-Nessa cultura, aquele indivíduo que possui o último modelo do ano, ou mesmo aquele que recém adquiriu seu primeiro automóvel, muitas vezes sente-se tão superior ao sentar-se atrás do volante que pode criar situações arriscadas a si mesmo e aos outros que participam do mesmo espaço. Os rapazes, principalmente, costumam estar expostos aos apelos dessa mesma cultura muito cedo, estando envolvidos em discursos que associam o estar dirigindo um automóvel à potência, competitividade, liberdade e prazer.

Tais indagações incitam os alunos a analisar suas próprias condutas, problematizando, por exemplo, o modo como estas se relacionam com os indivíduos com que convivem, traçando assim, um paralelo entre suas formas de transitar e seu próprio modo de ser.
Juciara Rodrigues (2002, p.41):

É imprescindível que, durante sua locomoção, o homem faça a leitura do conjunto de sinais utilizados para a transmissão destas mensagens. Esta leitura representa muito mais que a simples decodificação dos sinais que regem o trânsito. A comunicação com o espaço só acontece quando as mensagens são verdadeiramente compreendidas e, consequentemente, respeitadas.

Estas são abordagens iniciais, mas que podem servir para ampliar a discussão sobre a questão em pauta. Não é mais aceitável que continuemos restringindo o trabalho com o tema trânsito apenas às regras de circulação e ao ensino da sinalização, quando temos ao nosso alcance uma infinidade de propostas que podem instrumentalizar uma mudança duradoura. A Educação para o Trânsito apresenta poucos resultados se for realizada somente durante a Semana Nacional de Trânsito ou ainda em decorrência de algum acidente nas proximidades da escola. Discutir/analisar o transitar é algo complexo, que precisa ser ampliado para além do aspecto técnico/legal. O trânsito é um tema rico, com inúmeras possibilidades a serem exploradas, e pode contribuir para uma melhor compreensão do nosso cotidiano, nossos hábitos e atitudes, assim como estimular discussões de ordem sócio-política.
Ao trazer para seu interior um assunto com enorme relevância social, a escola não apenas estreitará seu vínculo com a comunidade, como também abrirá espaço para a qualificação da vida. Além disso, falar sobre o modo como nos locomovemos pode estimular o debate a respeito da convivência social, das condutas sociais frente às diferenças, das formas de inclusão/exclusão construídas diariamente, enfim, pode tornar o ambiente escolar cada vez mais aberto ao trabalho com temáticas que mobilizem a sociedade.

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