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quinta-feira, 1 de abril de 2010

Acidente de Trânsito

A violência e o acidente de trânsito são fatos sociais que apresentam muitas características comuns. Ambos são problemas da teoria e da prática social e política da sociedade. A violência é um fenômeno muito mais antigo que o acidente de trânsito. Enquanto a violência originou-se simultaneamente com o surgimento da humanidade, o acidente de trânsito é contemporâneo da sociedade moderna e surgiu com a revolução do automóvel.
Violência por definição é um comportamento humano que vise ou possa causar dano a outra pessoa, ser vivo ou objeto. È o ato atentatório contra a autonomia, integridade física ou psicológica e mesmo contra a vida de outro. É um fenômeno que permeia todo o tecido social e assume diferentes formas. É geral. Ocorre do nosso lado e nas mais longínquas regiões terrestres. Pode ser percebida nos bairros nobres das cidades e nas periferias. Está nas ruas e, até mesmo, dentro de nossas casas. É exterior à vontade das pessoas. Alcança todas elas indistintamente variando, porém, em intensidade. É uma realidade no cotidiano das pessoas com a qual elas têm de conviver. O viver em sociedade foi sempre um viver violento (Odalia, 1983). Em todas as horas e lugares ela aparece das mais variadas formas. Tal qual a violência, o acidente de trânsito é democrático. Acontecem em todos os lugares. Atingem a todas as pessoas, independentemente de suas posições sociais. Não é um evento deliberado, mas fruto de displicência e de falta de atenção e, até mesmo, pelo gosto do risco e da aventura.
Se a violência é um fenômeno social, toda violência é social. Entretanto, a violência é seletiva em relação a certos segmentos da população ou apresenta um alcance mais geral justificado por condições sociais e históricas. Nesse sentido, pode-se denominar o acidente de trânsito de violência social, pois reflete um conjunto de fatores estruturais da realidade social que vai além da simples presença de veículos nas vias públicas. A violência no trânsito é um fenômeno cujas causas são determinadas socialmente, atinge toda a população e suas conseqüências são dramáticas na vida das pessoas.
O acidente de trânsito, como manifestação contemporânea da sociedade moderna, está inserido na lógica do sistema capitalista. É, também, uma forma de violência. A violência no trânsito representa um grave problema de nossa sociedade. Ocorre a cada instante e, indubitavelmente, a sociedade dispõe de condições necessárias e suficientes para apresentar soluções e reduzir os seus efeitos. Porém, nossos governantes pouco se preocupam com o problema. Não o faz em nome de outras prioridades.
Para se ter uma noção do tamanho da tragédia que é o trânsito, o Brasil registra anualmente 3 milhão de acidentes. A quantidade de pessoas feridas por ano é de 400 mil pessoas. Essa quantidade de acidentes resulta na morte de 35 mil pessoas/ano. Aproximadamente 10 milhão de pessoas se envolvem de alguma forma em acidentes de trânsito no período de um ano.
A cada minuto 14 pessoas sofrem acidentes de trânsito, 3 acidentes acontecem e uma pessoa é ferida. A cada 15 minutos, uma pessoa morre. Imaginemos um cenário, ainda mais amplo. Se hipoteticamente tivermos outras 3 pessoas que mantêm algum tipo de relação com qualquer das pessoas envolvidas em acidentes, teremos uma população de mais de 22 milhões de pessoas que de algum modo participa desse cenário catastrófico que encerra os acidentes de trânsito. É incomensurável, a quantidade de dramas pessoais dele decorrentes.
Para além do sofrimento ao qual estão submetidas as pessoas que se acidentam no trânsito, duas pesquisas realizadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelaram que os acidentes de trânsito no Brasil custam ao Estado e à sociedade aproximadamente 30 bilhões de reais por ano, ou seja, 1,2% do PIB brasileiro. Desse modo, os acidentes de trânsito custam caro ao povo e as sociedades brasileiras, onerando sobremaneira, os sistemas de saúde e de segurança pública. Entretanto, não observamos políticas públicas consistentes no sentido de reduzi-los.
Não resta dúvida que o acidente de trânsito é uma manifestação contemporânea da violência social. Violência que não compreende apenas crimes, mas todo o efeito destruidor que provocam sobre as pessoas e sobre as regras de convívio na cidade. O trânsito violento interfere no tecido social, prejudica a qualidade das relações sociais, e contribui para o quadro da perda da qualidade de vida.
O principal fator da violência no trânsito no Brasil é humano. É certo que existem deficiências técnicas, de infra-estrutura e de engenharia. Entretanto, condutores, motociclistas, ciclistas e,
até mesmo, pedestres são incapazes de cumprir as mais elementares regras de circulação. Não obedecem a sinalização, os limites de velocidade, avançam sinal vermelho e falam ao celular enquanto dirigem. Não raramente dirigem embriagados ou sem habilitação. É esse tipo de comportamento perigoso que gera o risco e provoca os acidentes de trânsito. No trânsito parece que vivemos um estado de anômia conforme a concepção de Durkheim. A falta de regras e o seu descumprimento invariavelmente levam a um cenário de violência sem precedentes.
A lei de trânsito no Brasil parece ser menos importante que as outras leis. Infrações de trânsito são consideradas pequenos deslizes. Por vezes, o infrator é até tratado como herói e corajoso. Expõe-se ao risco e impõe risco a outras pessoas sem considerar que o palco em que se comete estripulias motorizadas mata 35 mil pessoas por ano. A finalidade da lei de trânsito nada mais é do que limitar a liberdade de locomoção e de circulação de cada pessoa, individualmente, para garantir a liberdade de locomoção de interesse coletivo dentro de níveis seguros para toda a população. A lei de trânsito, nesse sentido, é a garantia do direito de locomoção universal no espaço público. Complementar a essa situação, a polícia e o judiciário são complacentes com esse estado de coisas que observamos no cotidiano do trânsito.
Culturalmente, no Brasil, o acidente de trânsito é tido como uma fatalidade. É um acontecimento fortuito e não previsto. Em tese, as pessoas não saem às ruas para, deliberadamente, matar ou ferir pessoas com seus veículos. Embora não pratiquem a violência de forma deliberada, incorrem em ato violento por imprudência, imperícia ou negligência. Essas formas de violência recebem um tratamento de crime culposo e não doloso, tornando menor a indignação das pessoas e elevando o fator de risco no trânsito.
Dessa forma, pode-se concluir que a violência no trânsito é uma conjugação de fatores que se interagem e resultam em uma fórmula tão ou mais explosiva que uma bomba atômica: risco, aventura, displicência, desconhecimento, desobediência, impunidade. Os resultados observamos estampados nas páginas de jornal não raramente em matérias intituladas de tragédias. Ressalte-se que os acidentes de trânsito são tão ligados ao conceito de violência que seus registros são tratados e elaborados, na maioria das vezes, pelos órgãos policiais.

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